O texto que reproduzimos abaixo desmascara o criacionismo “meia boca” defendido por Michelson Borges e seus pares na IASD. Um criacionismo tímido, que supõe uma Terra Jovem porém Esférica, porque se diz “bíblico” para os irmãos da Igreja, mas pretende ser “científico” para o público cético ou não religioso, adotando assim um duplo discurso, que se apropria de linguagem dúbia para parecer bíblico e científico ao mesmo tempo. Criacionismo morno, nem frio nem quente, que provoca náuseas.
Não pode existir um criacionismo bíblico defensor da Terra Jovem, que também não seja geocentrista e terraplanista, por ser essa a cosmovisão bíblica. Se os dias da criação foram dias literais de 24 horas, também deve ser literalilzado o modelo plano da Terra criada em três “andares” (abismo,terra e céus), segundo o relato de Gênesis. Michelson Borges, Leandro Quadros, Rodrigo Silva e outros criacionistas “meia boca” da IASD terão que admitir isso, ou rasgar sua Bíblia.
Escrito em estilo acadêmico, o extenso artigo deixa evidente o posicionamento evolucionista e contrário à primazia da Bíblia sobre a Ciência como fonte máxima de verdade. Seu autor critica a todo momento o Criacionismo da Terra Jovem e Plana. Contudo, especialmente na segunda metade do texto, a partir do subtítulo “História dos defensores da Terra plana”, o articulista católico traz informações históricas preciosas sobre o desenvolvimento da doutrina bíblica da Terra plana em defesa da Criação e contra a teoria evolucionista. Confira.
The Evolution of “Bible-Science” : Young Earthers, Geocentrists, and Flat Earthers, adapted from the chapter by Robert J. Schadewald in Scientists Confront Creationism, edited by Laurie R. Godfrey (Norton paperback, 1984)
Por dois mil anos, vários grupos de dogmáticos bíblicos tentaram forçar o universo a preencher suas interpretações da Escritura. Julgaram e rejeitaram as evidências e explicações cientificas de acordo com o padrão das suas próprias crenças religiosas. Por razões bíblicas, muitos rejeitaram (e ainda rejeitam) a esfericidade da Terra, o sistema de Copérnico, e a evolução da vida numa Terra muito antiga (com aproximadamente 4,5 bilhões de anos de idade). Nos últimos dois séculos, os que acreditam na Terra plana, geocentristas e criacionistas de Terra jovem adotaram um rótulo para os seus dogmas: “ciência bíblica”. Este termo começou a ser utilizado na Inglaterra, no século XIX, por exemplo, pelo “Bible-Science Defence Association” (que defendia o fato de a Terra ser plana), e na América do século XIX, pela associação criacionista “Bible-Science Association.”
Os cientistas bíblicos travaram uma guerra contra a ciência. No início do século XIX, a maioria deles tinha se resignado a viver numa Terra esférica que orbita em torno do Sol. Então, foram confrontados com uma massa de evidências que convenceu a maioria dos geólogos de que a Terra era muito antiga e que suas diversas formas de vida surgiram (e muitas se tornaram extintas e desapareceram) no planeta de forma sequencial, durante um longo período de tempo. Em segundo lugar, os geólogos não encontraram qualquer evidência de um suposto dilúvio (o dilúvio universal de Noé). E finalmente, em 1859, Charles Darwin apresentou uma grande quantidade de evidências de que a vida na Terra evoluiu, e propôs uma teoria que explicava a proliferação da vida na Terra em termos de processos naturais. Tais ideias contradiziam diretamente uma interpretação literal dos pirmeiros capítulos de Gênesis. Os “cientista” bíblicos, alarmados, iniciaram um ataque contra a ciência convencional, que continua até hoje.
As origens da “Ciência bíblica”
“Criacionismo científico” é a palavra mágica da ciência bíblica. Seu objetivo ambicioso é restabelecer Gênesis como a máxima autoridade em geologia, biologia e cosmologia. Pelo criacionismo científico representar a continuidade de uma longa tradição, é difícil saber quando ele começou. Alguns definem sua origem com a publicação de The Genesis Flood, pelo teólogo John C. Whitcomb, Jr. e o engenheiro Henry M. Morris em 1961. Este livro argumenta que o dilúvio dos tempos de Noé explicaria melhor as evidências geológicas do que a geologia convencional. Nesta e em obras subsequentes, os criacionistas ofereceram argumentos para mostrar que a Terra tem apenas seis mil anos e que todas as formas de vida foram criadas separadamente.
Logo após a publicação de The Genesis Flood, duas das maiores organizações criacionistas, a Bible-Science Association e Creation Research Society, foram criadas. O terceiro maior grupo, o Institute for Creation Research (ICR), foi organizado em 1970 com Henry M. Morris como diretor. Individual e coletivamente, por meio de livros, panfletos, leituras públicas e debates, esses criacionistas passavam sua mensagem.
Em público, criacionistas modernos marcham sob a bandeira da própria ciência. Em livros e palestras dirigidas ao público cético, evitam falar em Deus e na Bíblia e incensam a ciência. Quando se dirigem a crentes fundamentalistas, contam uma história diferente. Insistem que a moderna geologia e a teoria da evolução são afrontas à Bíblia. No lugar de ambas, oferecem uma pseudociência complexa, chamada por eles de “criacionismo científico”, no qual a “geologia do dilúvio” é o dogma central. A geologia do dilúvio foi totalmente rejeitada pela geologia convencional. Como Whitcomb e Morris escreveram,
“Milhares de geólogos treinados, muitos deles sinceros e honestos em suas convicções sobre a correção das suas interpretações dos dados geológicos, apresentam um veredito unânime contra os dados bíblicos da criação e do dilúvio….”
Não obstante, eles insistem que essas opiniões profissionais devem ser desconsideradas, porque
“O crente instruído sabe que as evidências para a total inspiração divina da Bíblia contam mais do que as evidências para qualquer fato científico. Quando confrontado com o consistente testemunho bíblico de um dilúvio universal, o crente deve aceitar isso como verdade inquestionável.” (1961, p. 118)
Porque esses geólogos fundamentalistas rejeitam o que é “verdade inquestionável”? Henry Morris sugere que a resposta pode ser encontrada na Torre de Babel:
“Seu topo era um santuário, um grande templo, estampado com os signos zodiacais, representando o exército do Céu, Satã e seus principados e poderes, príncipes das trevas do mundo” (Efésios 6:12). Estes espíritos do mal talvez se encontraram com Nimrod e seus sacerdotes, para planejar uma estratégia de longo alcance contra Deus e Seus objetivos de redenção para o mundo pós-diluviano. Isso incluía especialmente o desenvolvimento de uma cosmologia não teísta, por meio da qual fosse possível explicar a origem e desenvolvimento do universo e do homem sem dar mérito ao Deus verdadeiro e criador. A negação do poder e autoridade de Deus na criação é a base fundamental na rejeição de Sua autoridade em qualquer outro campo.
“As evidências sólidas para a sequência de eventos descritas, são tênues… se alguém acha que isso realmente aconteceu, no início da história pós-diluviana, então o próprio Satã é o criador do conceito de evolução.”(Morris 1975, p. 74-75)
“Sólida evidência ou não, o livro de Morris repetidamente acusa a evolução de ser satânica. Embora os céticos possam questionar a veracidade dessa história da revelação de Nimrod e Babel, é verdade que a ideia de um mundo em mudança, em desenvolvimento, vem desde a antiguidade. Mas só se tornou popular no Ocidente, poucos séculos atrás.
A Terra antiga, Catatrosfismo, Uniformitarismo
As raízes da geologia moderna se encontram em Nicolaus Steno, um padre dinamarquês que em 1669 publicou um tratado sobre fósseis que continha vários princípios da formação do estrato rochoso. Steno sustentava que os fósseis encontrados em rochas sedimentares eram resíduos de animais que morreram no dilúvio. Esta opinião prevaleceu entre os geólogos por 150 anos. Na Inglaterra, foi suportada por Thomas Burnet na obra A Sacred Theory of the Earth (1681), por John Woodward em An Essay Toward a Natural Theory of the Earth (1695), e por William Whiston, que sugeriu, em sua obra A New Theory of the Earth (1696), que o dilúvio foi causado por um cometa.
Entretanto, a maior parte eram apenas especulações sobre a origem das espécies animais. Na metade dos anos 1700, Comte Buffon, o eminente naturalista francês, elaborou o conceito de evolução pela variação de espécies e publicou-o em sua obra monumental, Natural History. Buffon foi imediatamente atacado pelos teólogos da Sorbonne University em Paris, que o forçaram a publicar a seguinte retratação:
“Declaro que não tive intenção de contradizer o texto da Escritura, no qual eu acredito mais firmemente do que em qualquer outro relatado à criação, tanto no que diz respeito ao tempo quanto aos fatos. Abandono tudo em minha obra que diga respeito à formação da Terra, e tudo que seja contrário à narrativa de Moisés.” (White 1955, p. 215)
As sementes da revolução geológica foram plantadas pelo geólofo escocês James Hutton em 1785, mas foi Charles Lyell quem as fez crescer. A obra de Lyell, Principles of Geology (1830) é considerada por muitos a fundação da geologia moderna. Nessa época, poucos geólogos sérios continuavam aceitando a ideia de um dilúvio universal. Entretanto, Cuvier, um naturalista francês que era o principal adversário de Lyell, sugeriu que a Terra tinha enfrentado “muitos” dilúvios catastróficos, e seus seguidores foram chamados catastrofistas. Cuvier contribuiu muito para destruir o conceito de um único dilúvio global, assim como Lyell, que rejeitou o catastrofismo. Embasado nas ideias de Hutton, Lyell argumentou que a maior parte das rochas terrestres foram formadas durante um longo período de tempo, por processos naturais, observáveis até os nossos dias. A geologia de Lyell foi chamada de uniformitarismo.
As rochas da crosta terrestre estão dispostas em camadas que são ou foram essencialmente horizontais. Claramente, essas camadas seguem uma sequência temporal, com rochas mais jovens sobre as mais antigas. Muitas dessas rochas são sedimentares, formadas de partículas que se assentaram pela ação da água, ou foram transportadas pelos ventos. Tais processos de formação de rochas ainda estão em curso, e sua velocidade, mesmo sendo variável, pode ser estimada. Cálculos baseados nessas estimativas, deixam óbvio que as rochas da superfície do nosso planeta levaram milhões de anos para se formar (hoje, dispomos de métodos muito mais confiáveis para estimar a idade das rochas). Além disso, os resíduos fossilizados de plantas e animais, encontrados nas rochas, mudam sistematicamente ao longo do tempo. Como isso aconteceu?
Em 1843, Robert Chambers, um autor sem formação científica, publicou anonimamente o seu Vestiges of the Natural History of Creation. Chambers tentou reconciliar a Bíblia com a geologia uniformitarista, e o mecanismo que sugeriu para explicar as várias formas de vida na Terra foi basicamente “evolução temperada pelo milagre” (White 1955, p. 65). O livro se tornou extremamente popular, mas os “cientistas bíblicos” o atacaram como “ateísta”. Outra tentativa mais limitada foi a de Hugh Miller e seu The Testimony of the Rocks (1857). Notando a ausência de evidências para um dilúvio universal, Miller sugeriu que o dilúvio foi um evento local, ocorrido somente naquela região do Oriente.
Foi nesse ambiente que Charles Darwin lançou sua teoria da evolução por seleção natural em 1859. Um homem decididamente pacífico, que sofreu de doenças crônicas, Darwin conhecia muito bem como os “cientistas bíblicos” haviam recebido livros muito menos revolucionários que o seu The Origin of Species. Ele desenvolveu sua teoria por 20 anos antes de publicar. Seus piores pressentimentos se justificaram; teólogos indignados lançaram-se sobre ele com fogo e enxofre.
Poucos homens foram tão ultrajados e ao mesmo tempo, receberam tão rápida aclamação na comunidade científica. Uma década depois, a maioria dos naturalistas havia aceitado a evolução. Fora da comunidade científica, isso estava longe de acontecer. Mesmo assim, na virada do século, muitos acadêmicos e teólogos liberais fizeram as pazes com Darwin e com a evolução (White 1955).
Entre os conservadores, foi diferente. Uma enxurrada de livros anti-evolução apareceram durante o século seguinte à publicação de The Origin of Species. O mais notável veio de um adventista do sétimo dia, George McCready Price, o qual, começando em 1913, escreveu cerca de 25 grandes obras anti-evolucionistas. Ironicamente, a evolução proposta por Darwin causou uma regressão entre os “cientistas bíblicos”. Por volta de 1830, muitos conservadores estavam prontos para tolerar uma Terra antiga e uma teoria dos “dias-eras” da criação, no qual os dias em Gênesis representavam eras geológicas. Agora que o conceito de uma Terra antiga se juntou ao conceito de formas de vida se desenvolvendo ao longo do tempo, os “cientistas bíblicos” tentaram “puxar o tapete” de Darwin, jogando fora tanto a Terra antiga quanto a evolução. Enquanto as evidências da evolução e da grande idade da Terra continuaram a se acumular, o conservadorismo evoluiu para uma estridente pseudociência.
Veja o artigo detalhado Radiometric Dating, a Christian Perspective do Dr. Roger Wiens
Os teóricos do dilúvio global
O dilúvio global é a grande ilusão dos criacionistas de Terra Jovem, um albatroz que os escribas hebreus penduraram em seus pescoços e que foi adaptado de um mito oriental pré-existente e incluído no Gênesis. O dilúvio é para os criacionistas a explicação para praticamente todo o registro fóssil encontrado na Terra. Na média, o estrato com registros fósseis ao longo dos continentes, tem profundidade de uma milha. Entre as dificuldades que impedem que o dilúvio seja considerado cientificamente, estão:
(1) a origem da água do dilúvio
(2) Explicação para a existência de diferentes tipos de fósseis ao longo do estrato de rochas
(3) A grande quantidade de fósseis
(4) Estruturas que obviamente se formaram em terra e estão agora soterradas no estrato rochoso.
Para mais detalhes ver o texto do TalkOrigins Problems with a Global Flood
Para explicar de onde veio a água do dilúvio, alguns criacionistas propuseram que antes do dilúvio a Terra era circundada por uma camada de água na forma de vapor. Esta ideia foi proposta em 1874 por Isaac Newton Vail, um cientista bíblico Quaker. Vail sugeriu que os planetas evoluem de um estágio onde possuem anéis (como Saturno), para um estágio como de Júpiter e depois para finalmente chegar na condição da Terra. Criacionistas modernos lançaram fora a teoria da evolução de planetas de Vail, ficando apenas com a hipótese da camada de vapor de água. Mas jamais alguém mostrou como esse dossel contendo água para o dilúvio, podia ser estável ou como as criaturas da Terra poderiam sobreviver à incrível pressão atmosférica que isso causaria.
Os fósseis da Terra ocorrem em uma sequência ou ordem quase sem exceções (as poucas exceções são facilmente explicadas por perturbações geológicas, que podem ser detectadas sem referência aos fósseis). Isto é, fósseis específicos são encontrados somente em rochas com determinadas idades. Trilobitas, por exemplo, uma antiga forma de animais marinhos, se tornou extinto há 300 milhões de anos atrás, por isso, seus fósseis só são encontrados em rochas bastante antigas. Outras formas de moluscos são mais modernas e somente aparecem em rochas mais jovens, localizadas mais acima da coluna geológica.
Morris explicou as águas pré-existentes do dilúvio usando o termo “arraste hidráulico” (Whitcomb and Morris 1961; Morris 1974b). Para objetos de forma e densidade similar, entretanto, o arraste hidráulico é proporcional à área transversal, enquanto que a força gravitacional é proporcional ao volume. Um criacionista racional, portanto, esperaria que os trilobitas se distribuíssem de acordo com seu tamanho, com os maiores abaixo dos menores. Este decididamente não é o caso, e admira-se que alguém como Morris, PhD em engenharia hidráulica, e tendo uma base na geologia, foi capaz de, seriamente, inventar essa explicação baseada no arraste hidráulico. De fato, se a maior parte dos fósseis do mundo foram soterrados por um único dilúvio global, como os criacionistas de Terra jovem acham, a mistura de formas de vida seria fenomenal, e nenhum padrão ordenado de distribuição de fósseis poderia ser encontrado!
Começando em 1961 com The Genesis Flood, numerosos livros criacionistas mencionam um corpo rochoso na África, a formação Karoo (algumas vezes chamada de Karroo), que contém fósseis de aproximadamente 800 bilhões de animais. Ironicamente, esta formação, sozinha, refuta toda a geologia do dilúvio. Os animais da formação Karoo variam entre o tamanho de um pequeno lagarto ao tamanho de uma vaca, sendo a média de todos eles, aproximadamente o tamanho de uma raposa (Sloan 1980). Os criacionistas alegam que eles morreram no dilúvio, ou seja, todos estavam vivos quando o dilúvio começou. Se 800 bilhões de animais pudessem ser ressuscitados, partindo de um cálculo simples, isso significa que havia 21 deles em cada acre de solo da Terra. Suponha que assumamos (de forma conservadora) que a formação Karoo contenha apenas um por cento dos fósseis de vertebrados da Terra. Então, quando o dilúvio começou, havia 2100 animais vivos em cada acre de solo, entre os mais minúsculos e gigantescos dinossauros! Isso parece meio lotado, para dizer o mínimo. Inúmeros achados – dunas de areia – gotas de chuva – ninhos de dinossauros – pegadas de animais e etc – comumente encontrados na superfície rochosa da Terra, foram claramente formados na superfície. Entretanto, são encontrados em estratos de rocha que os criacionistas atribuem ao dilúvio e com muitas outras camadas cobrindo-os.
Certamente, as provas existentes contra a geologia do dilúvio são equivalentes àquelas que se opõem à teoria da Terra plana, quando ela floresceu no século XIX. Por isso, para entender a “ciência bíblica”, será de grande ajuda voltar ao passado e examinar suas raízes históricas.
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