O que dizem os místicos sobre John Dee
JOHN DEE
(Pensamentos, Ensinamentos e Reflexões)
Por Rodolfo Domenico Pizzinga
Objetivo do Texto
Este estudo pretende divulgar alguns pensamentos, alguns ensinamentos e algumas reflexões do místico medieval John Dee (1527 – 1608) – um verdadeiro Adeptus Exemptus1 que esteve historicamente vinculado ao Movimento Rosacruz de seu tempo.
Uma de suas obras mais herméticas e difícil de ser interpretada é a Mônada Hieroglífica, na qual é destacada a influência dos signos e a importância do Sol e da Lua para a Mônada, em conjunção com a proporção decimal da Cruz, que, segundo Alexander Roob, remete para os Quatro Elementos, mas também para o nascimento, para a crucificação e para a ressurreição. Todos os rituais descritos por Dee têm um fundamento cabalístico, trazendo conhecimentos de grande importância para os estudiosos.
Dee também sempre advertiu sobre a importância central da Matemática, enfatizando a maneira com que ela influenciava as outras ciências e artes, pois admitia que a Criação foi um ato de numeração de Deus. Seu objetivo final era ajudar a levar adiante uma religião unificada mundial com a recuperação da ruptura das igrejas católica e protestante e recapturar a Teologia pura dos antigos.
Omnia ab Uno
Da Mônada Hieroglífica – uma combinação de disciplinas cabalística, alquímica e matemática, por meio das quais o adepto acreditava que poderia alcançar um profundo discernimento da Natureza e a visão de um mundo divino para além da Natureza – na verdade, a mais importante obra de John Dee, mas não só da Mônada Hieroglífica, retirei alguns fragmentos para compor este trabalho.
Breve Biografia de John Dee
John Dee (Londres, 13 de julho de 1527 – Richmond upon Thames, 1608 ou 1609) foi um matemático, astrônomo, astrólogo, geógrafo e conselheiro particular da rainha Elizabeth I. Devotou também grande parte de sua vida à Alquimia, á adivinhação e à Filosofia Hermética. Dee perscrutou os mundos da ciência e da magia, e previu as seguintes invenções posteriores: microscópio, telescópio, navios à propulsão de motores, automóveis e máquinas voadoras.
Um dos homens mais instruídos de seu tempo, já lecionava na Universidade de Paris antes de completar trinta anos. Era um divulgador entusiasmado da Matemática, um astrônomo respeitado e um perito em navegação, treinando muitos daqueles que conduziriam as viagens exploratórias da Inglaterra. Ao mesmo tempo, estava profundamente imerso na Filosofia Hermética e na chamada magia angélica, e devotou a última terça parte de sua vida quase que exclusivamente a este tipo de estudo. Para Dee e para muitos de seus contemporâneos, estas atividades não eram contraditórias, mas aspectos de uma visão consistente do mundo.
Dee estudou na então Escola Chelmsford Chantry – de 1543 a 1546 – St. John’s College, em Cambridge. Suas grandes habilidades foram logo reconhecidas, e foi aceito entre os membros-fundadores do Trinity College de Cambridge. No fim da década de 1540 e no começo da de 1550, ele viajou pela Europa, estudando em Louvain e em Bruxelas e lecionando em Paris. Estudou com Gemma Frisius e tornou-se amigo próximo do cartógrafo Gerardus Mercator. Retornou à Inglaterra com uma coleção importante de instrumentos matemáticos e astronômicos.
Quando Elizabeth assumiu o trono, em 1558, Dee tornou-se seu conselheiro para questões astrológicas e científicas, inclusive tendo escolhido o dia da cerimônia de coroação. Da década de 1550 à de 1570, serviu como um conselheiro às viagens de descoberta da Inglaterra, fornecendo auxílio técnico na navegação e o apoio ideológico à criação de um Império Britânico (Dee foi o primeiro a usar o termo).
Em 1564, inspirado na Steganographia (alfabeto secreto) de Jean Tritheme (1462 – 1516), uma figura da Renascença germânica que foi um dos mestres de Paracelso (1493 – 1541), Dee escreveu o tratado hermético Monas Hieroglyphica (A Mônada Hieroglífica), uma interpretação cabalística exaustiva de um glifo (figura que dá um tipo de característica particular a um símbolo específico, freqüentemente gravada ou cinzelada em relevo) criado por ele mesmo, numa tentativa de expressar a unidade mística de toda a criação. Este trabalho foi altamente valorizado por muitos dos contemporâneos de Dee, mas a perda da tradição oral secreta de Dee tornou o trabalho difícil de ser interpretado nos dias atuais.
Glifo de John Dee
(Monas Hieroglyphica)
No começo da década de 1580, crescia a insatisfação de Dee com seu pouco progresso em aprender os segredos da Natureza. Começou a se voltar para o sobrenatural como meio de adquirir conhecimento. Especificamente, tentou entrar em contato com anjos através do uso de uma bola de cristal, que agisse como um intermediário entre Dee e os anjos. As primeiras tentativas de Dee não foram satisfatórias, mas em 1582, encontrou-se com Edward Kelley2, que o impressionou extremamente com suas habilidades.
Dee pôs Kelley a seu serviço e começou a devotar todas as suas energias à, por assim dizer, suas perseguições sobrenaturais. Estas conferências espirituais eram conduzidas sempre após períodos de purificação, de preces e de jejum, pois Dee estava convencido dos benefícios que ambos poderiam trazer à Humanidade. Dee dizia que os anjos lhe ditaram muitos livros desta maneira, alguns em uma espécie de língua angélica ou enochiana.
Dee terminou seus dias desprezado por seus companheiros por ser considerado um mago maligno. Saiu de Manchester em 1605. Nesta época, Elizabeth já morrera, e James I, antipático a qualquer coisa relacionada ao sobrenatural, não lhe auxilou de forma alguma. Dee passou seus últimos anos de vida na pobreza, em Mortlake, onde morreu ou no fim de 1608 ou início de 1609. Infelizmente, tanto sua lápide quanto qualquer documento que ateste seu óbito são desconhecidos.
Seja como for, alguns ocultistas acreditam que Dee, tanto quanto Fernando Pessoa (1888 – 1935), tenha sido um membro da organização The Seven Circle, e fantasiam que também, presumidamente, tenha sido um agente infiltrado sob o código 007, um Mestre Secreto, acompanhado de seu pupilo, o famoso escritor Sir Francis Bacon. Por isto, é considerado meio que o primeiro James Bond. Presentemente, Dee é visto como um estudioso sério, e apreciado como um dos homens mais instruídos de seus dias.
Pensamentos, Ensinamentos e Reflexões de John Dee
John Dee:
“Eu era tão intensamente aplicado nos estudos que, naqueles anos, eu seguia inviolavelmente a seguinte rotina: dormir só quatro horas por noite; uma pausa de só duas horas a cada dia para comer e beber (com algum recreio depois), e nas outras dezoito horas (exceto pelo tempo de ir e permanecer no serviço divino) eu passava em meus estudos e aprendizado.”
O termo Geometria, segundo Dee, tem uma excessiva conotação terrestre. Dee sugeriu em troca ‘Megetologia’, não se arrastando no chão e arregalando os olhos com varas, réguas ou linhas, mas elevando o Coração acima dos céus por linhas invisíveis e raios imortais, encontrando reflexos da Luz Incompreensível, e produzindo, assim, alegria e perfeição inenarráveis.
Para Dee, a Deidade manifesta e mantém o mundo através do número. A numeração, então, é a criação de tudo. E a contínua numeração de todas as coisas é a conservação na existência… A constante lei dos números está enraizada nas coisas naturais e nas coisas sobrenaturais, e está prescrita para todas as criaturas, sendo guardada inviolavelmente.
A Matemática não é simplesmente uma matéria a ser dominada, mas, antes, um modo de vida a ser consumado na ofuscante Luz da Deidade.
Um verdadeiro entendimento da Ciência e da Matemática fornecerá os subsídios para uma religião global de amor e de tolerância.
Sagrado Iantra Hermético
Faze um círculo, de um homem e de uma mulher;
daí um quadrado; daí um triângulo;
depois um círculo, e terás a Pedra Filosofal.
O ponto no Centro do Sol é o ponto de onde derivam todas as linhas e círculos. Esta é a primeira e mais elevada manifestação da atividade divina, e, por isto, é o Um.
Podemos nos aproximar do interior, da profundeza e da visão de todas as distintas virtudes, naturezas, propriedades e formas das criaturas. E também ir mais longe, subir, escalar, ascender e atingir (com as asas da especulação) em espírito, para contemplar o Espelho da Criação, a Forma das Formas, o Número Exemplar de todas as coisas numeráveis, tanto visíveis como invisíveis, mortais e imortais, corpóreas e espirituais.
Sei perfeitamente bem que tem havido certos homens que, através da arte dos escaravelhos, dissolveram o ovo da águia e sua casca com pura albumina, e, com isso, fizeram uma mistura de tudo… Com isto, quero dizer que se completou a grande metamorfose do ovo… Quem se dedica sinceramente a estes mistérios verá com clareza que nada pode existir sem a virtude de nossa Mônada Hieroglífica.
Nada é capaz de existir sem a virtude da Mônada Hieroglífica.
A única coisa que me aterroriza é depender de outra pessoa para ser feliz ou de me abandonar à paixão.
Em verdade, se forçarmos a Natureza engenhosamente por meio dos princípios da pironomia3, mudanças maravilhosas podem ser produzidas por nós nas coisas naturais. E chamo de Natureza tudo que tenha sido criado.
Oh!, confortante sedução! Oh!, arrebatadora persuasão lidar como uma Ciência cujo assunto é tão antigo, tão puro, tão excelente, tão acima de todas as criaturas, tão usada pelo Altíssimo e pela Sabedoria incompreensível do Criador na criação particular de todas as criaturas, em todas as suas partes distintas, propriedades, naturezas e virtudes, por ordem e mui absoluto número, trazidas do Nada para as Formalidades de seu ser e estado!4
Pelo número, um caminho é obtido para a busca e a compreensão de todas as coisas possíveis de serem conhecidas.
Aquele que procura nas criaturas propriedades e virtudes maravilhosas encontrará apenas a causa para glorificar o Eterno e Altíssimo Criador.
Aquele que não procura nenhum ganho ou glória das mãos mundanas, mas somente das Mãos de Deus, busca o Tesouro da Sabedoria Celestial e o Conhecimento de Mãos Puras.
Ó IHVWH Sabaoth, ó Criador de todas as coisas: ensina-me a perceber e a compreender corretamente. Tua Sabedoria é tudo o que eu desejo. Fixa Tua Palavra em meu ouvido, ó Criador de todas as coisas. E fixa Tua Sabedoria em meu Coração.
Afastai-vos da dúvida! Arrancai de vós a suspeita sobre nós, pois somos criaturas de Deus que reinaram, reinam e reinarão para sempre. Todos os nossos mistérios vos serão dados a conhecer.
O Filho de Deus nunca conseguiu converter a todos, assim como nem todos que O ouviram acreditaram n’Ele. Por isto, onde está o Poder de Deus, ali também está Satã.
Eu habitarei entre vós… Eu sou acima de BINaH e abaixo de MaLKhUTh… Eu sou a Filha do Conforto!
Homo Homini Deus…5 Homo Homini Lupus…6
É pela linha reta e pelo círculo que o primeiro e mais simples exemplo e representação de todas as coisas devem ser demonstrados, sejam essas coisas inexistentes, sejam apenas ocultas sob o véu da Natureza.
Não podem ser produzidos artificialmente nem o círculo sem a linha, tampouco a linha sem o ponto. É, portanto, pela virtude do ponto e da Mônada que todas as coisas começam a emergir a princípio. Aquilo que é afetado na periferia, não importando quão grande seja, não pode de forma alguma carecer do suporte do ponto central.
E, de fato, eu concluí a idéia do círculo solar adicionando um semicírculo à Lua, pois a manhã e o entardecer foram o primeiro dia, e foi, portanto, no primeiro dia que a Luz dos Filósofos foi feita.
Todo o Magistério depende do Sol e da Lua.
Cara a ti é tua esposa; mais cara ainda é a Sabedoria. Cara a ti, acima de tudo, sou eu. Embora escolhido, tremes, e por hesitar, pecas. Não hesites mais em conhecer a mente e a carne; mas obedece-me, pois eu sou tua líder, e a criadora de todos os espíritos. Todas estas coisas são de mim, e a ti são permitidas.
Que quem não entende ou se cale ou aprenda.
Sobre o Grimorium Imperium, livro raríssimo escrito por Abdul al-Hazred (o mesmo autor de O Necronomicon): … Quando eu realizei os rituais descritos neste livro, então eu realizei algo importante, pois eis aqui o livro mais poderoso já escrito pelas mãos de um mortal. Mas eu advirto: tenha cuidado! O livro prendeu-me. Tinha vontade de me devotar completamente à ele. Descobri que fiquei obcecado por ele.
Todos os meus outros escritos pararam e todos os temas humanos perderam a importância para mim. Este desejo pelo livro me fez devotar-lhe muitas de minhas horas acordado, e eu experimentei muitas coisas horríveis, mas eu encontrei também muitos segredos – os mais secretos. Meu desejo era ter mais tempo neste plano mortal para estudar este livro, porque reconheço, agora, que contém a chave de muitos mistérios.
Em geral, a Cruz deve ser composta de ângulos retos, já que a natureza da justiça exige a perfeita igualdade das linhas usadas na interseção.
A Cruz não é um agente passivo. Ela protege os puros de coração e tem aparecido muitas vezes no ar, acima de nossas assembléias, confundindo e dispersando os poderes das trevas.
LUX – a Palavra final do ‘Magisterium’ – união e conjunção do Ternário dentro da Unidade da Palavra.
O Quatenário está oculto no Ternário.
Se o que está oculto nas profundezas da Mônada for trazido à luz, ou, ao contrário, se as partes primárias que são exteriores em nossa Mônada forem fechadas no centro, vereis até onde a transformação filosófica pode ser produzida.
Os Mistérios da Mônada não podem ser extraídos, a menos que se conheça a farmácia desta mesma Mônada. E estes Mistérios não serão revelados, a não ser aos Iniciados.
Existente antes dos Elementos
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Os Elementos (Caos)
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Após a formação dos Elementos
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Adão Mortal
(Macho & Fêmea) |
Consumação da Genealogia dos Elementos
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Adão Imortal
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Eu Mortificante
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Cruz
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Eu Vivificante
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Envolto em Sombras
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Cruz
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Manifestação
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Nascido em um Estábulo
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Sacrificado na Cruz
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Rei de
Todos os Ubíquos |
Autoconcebido por sua Própria Influência
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Morte e Enterro
Virtude Decimal de IHWH |
Renascido de sua
Própria Virtude |
Poder da Semente
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Purificação dos Elementos
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Triunfo na Glória
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Criação de HYLE
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Martírio na Cruz
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Transformação
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Casamento Terreno
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Meio
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Casamento Divino
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Início
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Meio
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Fim
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Não será absurdo representar o mistério dos Quatro Elementos, no qual é possível reduzir cada um à sua forma elementar, por quatro linhas retas estendendo-se em quatro direções contrárias a partir de um ponto comum e indivisível.
Segundo Paracelso, o céu é uma concha que separa o mundo do Céu Divino, tal como a casca do ovo. A gema significa a esfera interior e a clara a superior ou exterior. A gema, Terra e Água; a clara, Ar e Fogo.
Oh! Deus! Perdoa-me se pequei contra Tua Majestade revelando tão grandes mistérios em meus escritos que devem ser lidos por todos; mas creio que apenas os que são realmente dignos o compreenderão.
Digno és Tu, ó Deus, de receber glória, honra e virtude, porque Tu criaste todas as coisas.
Os olhos vulgares hão de enxergar apenas a obscuridade e se desesperarão consideravelmente.
______
Notas:
1. Adeptus Exemptus, segundo o poeta português Fernando Pessoa, ligado ao Rosacrucianismo, é o mais alto grau esotérico-iniciático, e quem o atinge pode ser descrito como Mago, Santo e Gênio. Este título esotérico foi adotado pelo mago irlandês Aleister Crowley (Mestre Therion) em suas Ordens Iniciáticas, como a Astrum Argentum. Adeptus Exemptus é também o grau 7º = 4º da Golden Dawn, Ordem Rosacruz mágico-alquímica baseada na KaBaLa e que importou signos de Kemet (Antigo Egito). Na Golden Dawn esse não é o mais alto grau, mas apenas o terceiro, como se segue:
Adeptus Minor 5º = 6º
Adeptus Major 6º = 5º
Adeptus Exemptus 7º = 4º
Magister Templi 8º = 3º
Magus 9º = 2º
2. Edward Kelley foi um auxiliar de John Dee, considerado por Dee uma pessoa sensivelmente capaz de receber mensagens espirituais ao ver alguns cristais ou pedras refletidas no Sol. Esta arte é chamada de Cristalomancia. Através dessa arte ambos buscavam conseguir a famosa Pedra Filosofal. Acredita-se que, sob o comando do rei Rodolfo II – da casa dos Habsburgos, imperador do Sacro Império Romano, rei da Boêmia e rei da Hungria – Kelley tenha conseguido produzir a Pedra, mas logo depois foi torturado e executado pelo rei por não revelar a fórmula da Pedra Filosofal. Rodolfo II acabou enlouquecendo em suas tentativas de encontrar a Pedra e perdeu o trono para seu irmão Matias da Germânia.
3. Pironomia é o conjunto de processos que visa regular a temperatura nas reações químicas.
4. Aqui, vale a pena refletir sobre a máxima de Boécio apresentada em De Consolatione Philosophiæ, V, 1: Nihil ex nihilo exsistere vera sententia est. Que nada se origina do nada é uma afirmação verdadeira. E também sobre estas três máximas: 1ª) Nihil novum sub Sole. Não há nada de novo sob o Sol; 2ª) Nihil novi sub Luna. Não há nada de novo sob a Lua; e 3ª) Nihil novum super Terram. Não há nada de novo sobre a Terra.
5. O homem é o Deus do homem.
6. O homem é o lobo do homem.
7. A morte é o princípio da Vida; a vida é o princípio da morte. A morte e a vida vêm de um Centro que não vive nem morre. (D. A. Freher, Paradoxa Emblemata, manuscrito do século XVIII).
Páginas da Internet consultadas:
http://en.wikipedia.org/wiki/John_Dee
http://www.bookbrasil.com.br/books/K-
%20The%20Dee%20Diaries1.PDF
http://www.introduccionalsimbolismo.com/
portugues/modulo3l.htm
http://www.sophia.bem-vindo.net/
tiki-index.php?page=Khunrath
http://www.esotericarchives.com/
dee/monad.htm
http://www.mortesubita.org/biografias/
personalidades/john-dee
http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Dee
http://www.cursosdemagia.com.br/
grimoriumimperium.htm
http://www.4shared.com
http://www.cophnia.com.br/John_Dee.pdf
http://www.levir.com.br/inst-045.php
Fonte: http://paxprofundis.org/livros/johndee/johndee.htm
John Dee
Em um salão recheado de sombras, um mago trajando seu manto negro, entoa palavras cabalísticas enquanto conjura seu mais novo encanto (revelado por seres sobrenaturais, durante diálogos diante de um espelho negro), em um idioma completamente extra-humano, se volta para sua bola de cristal (com toda a confiança e orgulho de quem detêm os maiores conhecimentos de seus tempo) onde vê a revelação de seu negro futuro de morte e miséria.
Parece um cena de filme épico, ambientado com magia cabalística, mas todos estes clichês foram inspirados em um personagem real e é sobre ele que discorreremos na postagem de hoje. Com vocês, John Dee, em sua tradicional imagem que forjou a figura do mago comum à cultura pop moderna.
Em uma época onde as grandes mentes eram polivalentes, John Dee foi agraciado pelo caos cósmico que governa o destino com uma das mais destacáveis.
De berço inglês, chegou a ser conselheiro particular da rainha Elizabeth I, sendo quem indicou a melhor data para a coroação em 1559 e elaborou a estratégia de combate contra a armada espanhola em 1588.
Lecionou sobre Euclides na Universidade de Paris antes de completar sua terceira década de vida e dentre suas multifacetadas áreas de atuação estavam a matemática, a astronomia, astrologia, geografia e alquimia.
Elaborador de criptogramas, mestre de Francis Bacon e adepto das ciências ocultas, existem fortíssimas conexões que fazem de Dee um dos inspiradores do rosacrucianismo alemão, cujas ideias teriam fonte em estudos do mago inglês.
Ele e outros nomes que formavam os primeiros cientistas, antes mesmo da Sociedade Real, em essência alquimistas, estavam sedentos pelo conhecimento.
Seus estudos habituais se baseavam nos pensadores antigos como Platão, Euclides e Vitrúvio.
Estima-se que a biblioteca de John Dee era composta por alguns milhares de volumes, quando o conjunto bibliográfico da Universidade de Cambridge não passava de quinhentos volumes.
Esta magnífica coleção só perdia para a do celebrado historiador francês De Thou.
Diversas vezes referenciado como Rosa-Cruz (mesmo ele nunca admitindo tal fato), o mago inglês se sentia motivado a estudar de modo prático e experimental os mundos espirituais e sua figura se tornou o arquétipo do mago que vemos costumeiramente desfilando em diversos campos da cultura pop.
Ou seja, capa e manto negros, barba branca longa, trabalhando no seu laboratório recheado de penumbras, entre experimentos alquímicos, raios e conjurações espirituais em pentagramas desenhados no chão.
Alegorias à parte, Dee formou, com outros estudiosos de sua época, o círculo Dionisii Areopagites que objetivava sanar os mistérios da química.
Apesar disso, o cerne de seus estudos era a Cabala, tendo sua crença baseada no controle total dos números sobre as coisas do mundo.
A realidade contemporânea do cristianismo estava cada vez mais afastada dos mundos espirituais e etéreos, sendo as direções para tais experiências relegadas às sociedades secretas.
A visão evangelizadora do Dr. Dee era completamente diferente e incluía magia cerimonial, elementos cabalísticos e herméticos.
Esta linha de pensamento era muito comum dentre os estudiosos como Tritêmio, Agrippa e Johannes Reuchlin, este último, responsável por uma Cabala cristianizada, que provava a divindade de Jesus Cristo usando argumentos cabalistas, mostrando que o nome de Jesus esta codificado no Tretragrammaton.
O diferencial de Dee neste grupo, era a obstinada busca por experiências.
Sua abordagem era experimental e sistemática, tentando produzir eventos espirituais controlados, regulares e previsíveis.
A importância desta personagem para a evolução intelectual humana é imensurável e podemos compará-lo a um Merlin, não na corte de Arthur, mas na de Elizabeth I e virou personagem em obras de Ben Jonson e Willian Shakespeare.
Sua tentativa de introduzir doutrinas exotéricas na vida pública e sua personalidade estranha o caracteriza como um elemento digno de ser estudado.
E este estudo – de modo sucinto e sem pretensões acadêmicas – será feito nas linhas subsequentes.
uma breve biografia conspiratória…
Personagem marcante de toda a história, não somente da ciência, Dee respirou os primeiros ares deste mundo a 13 de julho de 1527 e viveu até por volta de 1608 ou 1609.
Seus feitos, louváveis ou catastróficos, nestas oito décadas de vida, o elevaram ao status de lenda.
A única certeza acerca desta personalidade marcante é que pertencia ao seleto panteão dos maiores cientistas de seu tempo, onde, naqueles tempos de tecnologia precária, conseguiu construir um robô, na verdade uma escaravelho mecânico, que o condenaria à perda da sua cadeira na Universidade de Cambridge, acusado de feitiçaria após expor seu novo invento numa representação teatral.
Após sua expulsão, se dirigiu a Louvain, local onde conhecera Mercator (matemático, geógrafo e cartógrafo, responsável pela projeção de Mercator).
Tornou-se astrólogo e ganhou a vida fazendo horóscopos, até ser acusado de conspiração contra a vida da rainha Mary Tudor, sendo condenado a alguns anos de prisão.
Sua liberdade foi concedida por Elizabeth I, que o tomou como conselheiro e encarregando de misteriosas missões pelo continente europeu.
Muitas teorias históricas defenderam que sua faceta de mago ou feiticeiro servia para esconder, ou mesmo camuflar, sua real atividade: espionagem.
Responsável intelectual pelo estabelecimento da Inglaterra como força marítima, aplicou seus vastos conhecimentos de matemática em prol da expansão deste segmento que determinava quais seriam as grandes potências mundiais naquele século.
Graças a esta mente privilegiada, temos a ideia de meridianos e sua principal contribuição foi a proposta de uma meridiano base: o Meridiano de Greenwich.
Aliado a esta nova forma de se localizar, ainda trouxe para a corte inglesa dois globos terrestres de Mercator que havia encontrado em Louvain e instrumentos de navegação, tendo dado o pontapé inicial na expansão marítima inglesa.
A maioria dos segredos de navegação e fabricação que foram dominados pelos ingleses chegaram às ilhas britânicas via John Dee, fazendo dele um dos primeiros espiões industriais que se tem notícia.
Outra de suas grandes contribuições foi a primeira tradução para o inglês da obra de Euclides e os avanços militares no uso de telescópios e lunetas.
No âmbito político, o mago Dr. Dee orientou acerca da politica externa e em relação à colonização da América do Norte.
Foi o responsável por cunhar o termo Império Britânico e sua visão deste Estado ajudou a formatar as navegações inglesas responsáveis pela descoberta de novos territórios.
No auge de sua fortuna recebeu por carta régia a propriedade do vasto território chamado Canadá.
Suas pesquisas no âmbito metafísico, como veremos nos tópicos adiante, progrediram fortemente e sua necessidade de contar com apoio humano se revelou um problema.
Quando começou a ter contato com o seres não humanos através do espelho negro, se viu diante de um dilema, pois não conseguia se lembrar de todo o conteúdo de seus seminários.
Conjecturo que se ele se dispusesse de uma máquina que registrasse suas conversas, o destino de nossa espiritualidade seria outro.
O mais próximo que chegou de sanar esta sua limitação o levou à perdição. A ideia era simples: alguém iria se comunicar com os seres não-humanos, enquanto Dee tomaria nota das conversas.
Os recrutados forma Barnabas Saul e Edward Talbot, dois homens que se mostraram nada escrupulosos.
O primeiro a ser deposto fora Barnabas que parecia ser um espião dos desafetos de John Dee, mas Talbot, além de mudar seu nome para Kelly, desgraçou a vida de seu patrão o minando com as ilusões dos louros da fama de grande alquimista europeu.
Em 1608, o mago estava desacreditado, arruinado financeiramente e faleceu na miséria.
Sempre protegido da rainha Elizabeth I, John Dee amargou ao fim da vida o abandono se sua protetora.
Fora perseguido após insinuar que publicaria suas conversas com os anjos e após os eventos com Kelley, teve seu manuscritos roubados e pereceu na miséria.
Entretanto, o desamparo da rainha não se mostra cruel ou traidor, sendo justificado pelas próprias palavras do mago Dee.
Segundo a história oficial, ele teria se proclamado um alquimista à rainha. De encontro às vicissitudes da miséria, Dee solicitou amparo financeiro à corte inglesa, que foi negado sob uma justificativa cruel, mas não mentirosa.
Utilizando as palavras do alquimista contra ele próprio, Elizabeth I o questionou se sua alquimia dominando não o podia prover de todo o ouro necessário para seu sustento, pois, sendo um alquimista, conseguiria, sem esforço, fazê-lo de outras matérias e não necessitava do subsídio real, pois tinhas os seus próprios.
Só restou ao, agora miserável, alquimista vender sua biblioteca colossal para garantir seu sustento ínfimo até a morte.
Apesar de todas formas se referenciar a este ser ímpar, que já fora rotulado como praticante de magia negra, alquimista brilhante e até mesmo espião, a verdade é que John Dee era um homem de muitos expedientes notáveis.
De inteligência notadamente superior, capaz de trabalhar 22 horas por dia, leitor rápido, engenheiro do autômatos, especialista em ótica e mestre em química, ele se perdeu graças a sua credulidade e ingenuidade.
Se é verdade que mantinha contato com seres não-humanos nunca pudemos confirmar e talvez nunca o consigamos.
o mago e o abade
Por volta de 1563, após ter o perdão concedido pela rainha, Jonh Dee, em uma de suas andanças pela Europa, mais propriamente em uma livraria de Anvers, teve contato com uma dos mais controversos manuscritos pós Idade das Trevas.
É provável que ele tenha encontrado parte da Steganographie do Abade Trithème. Mas quem foi este abade e qual poder teria este livro para que fosse tão importante para um estudioso dos mistérios do Universo como John Dee?
Assim, Dee teria acesso ao conteúdo do livro, cujo segredo teria sido revelado à Trithème em sonhos.
Mesmo incompleto, John Dee teria estudado esta poderosa obra de modo tão eficiente que conjectura-se que a tenha completado, chegando a um método tão eficaz quanto o abade Trithème.
Na verdade, se formos acreditar nas lendas em torno de John Dee seremos compelidos à crer que suas pesquisas superaram o poder mensurado na Steganographie.
O mago admitiu em seus diários que a obra do abade teve um impacto imensurável em suas pesquisas envolvendo a filosofia mágica e teologia, e para saber mais sobre Trithème é só ler nosso texto sobre ele aqui.
monas hieroglyphica
Antes de se associar a seu questionável pupilo Kelly, Dee publicara um estranho livro, fortemente influenciado pela Steganographie do abade Thrithème. Denominado de Monas Hierglyphica, este volume possui certas curiosidades.
O mago trabalhou em sua construção por cerca de sete anos, mas após ter lido a obra do abade, concluiu a Mônadas em apenas doze dias.
Após a sua publicação, o livro de John Dee fora adjetivado como de sumária importância para a segurança do reino.
A verdade é que todo o livro está escrito em código e a corrente subterrânea alega que os superiores do mago não queriam tais segredos revelados a mentes inferiores.
Estas são apenas alusões, digamos, conspiracionistas.
A verdade é que John sempre se interessara fortemente pela alquimia, mas sua natureza clamava pela prática, tanto que denominava seu trabalho como “mecânica mágica” e “cabala real”.
Alheio ao futuro que o faria famoso dentre os ocultistas envolvendo as confabulações com os anjos, o mago estava totalmente influenciado pela magia da natureza e encantado pelo mercúrio filosofal e procurava pelas explicações das verdades fundamentais das ciências naturais.
Através do símbolo do Mercúrio, obteve a forma básica de sua mônada hieroglífica e dele pode-se derivar quaisquer outros símbolos alfabéticos – independente da linguagem -, números e até geometria.
Segundo ele, o geômetra que ler o Monas Hieroglyphica, irá descobrir a chave para a quadratura do círculo.
O mais interessante é que esta obra revela os maiores interesses de John Dee naqueles tempos: matemática formal, misticismo oculto e a questão das razões divinas.
O texto traz vinte e quatro teoremas que explicam o diagrama e tal argumento é sustentado por dois planos de explicação que envolvem elucidações quanto à matemática cabalística e argumentos filosóficos voltados à magia.
Estes teoremas explicam a imagem cósmica em planos geométricos, cabalísticos e interpretações baseadas na astrologia, alquimia e linguística e num segundo momento, faz referência ao Homem, o Mago que busca a transmutação mística através do conhecimento.
o espelho negro
Lembra-se da Rainha má que se comunicava com seu espelho negro que tudo sabia e tudo conhecia? Pois bem, diz a lenda que o espelho existiu e que pertencera à John Dee. Só que ele conversava com anjos.
A liberdade para desenvolver suas pesquisas, mesmo fugindo ao meio científico, era concedida pela proteção vinda da rainha Elizabeth. Isolado em seu laboratório, em busca de ferramentas de predição do futuro, Dee recebia, eventualmente, a visita de Elizabeth, para tomar conhecimento dos avanços do estudioso.
A data de 25 de maio de 1581 seria marcada na vida deste estudioso dos mistérios ocultos. Imerso em seus estudos baseados na obra do abade Trithème, Dee se vê em companhia de um ser sobre-humano, envolto em luz.
Com o discernimento da época, ele é melhor descrito como um anjo (na carência de um vocábulo que melhor definisse a figura), este ser não-humano presenteou o mago com um espelho negro, onde seria possível ver outros mundos e ter contato com outras inteligências não propriamente humanas.
Pois bem, John Dee registrou inúmeros de seus diálogos resultantes de palestra com estes seres, tendo publicado alguns deles (que foram dizimados da face da Terra posteriormente) e deixado outros tantos inéditos. Para os que duvidam da existência de tal espelho negro, basta uma visita ao Museu Britânico e ver por si mesmo este artefato cósmico.
Ao contrário do que possamos assumir, Dee não possuía nenhuma capacidade paranormal ou mediúnica (esta última característica é atribuída a Kelly, mas suas provas são inexistentes). Então a auto-hipnose poderia oferecer certa luz aos eventos que se utilizavam deste espelho.
Algo poderia corroborar com esta ideia é a falta de informação acerca do planeta ou habitat destes seres que mantinham conversas regulares com o mago. O que se sabe é que eram seres desamarrados do tempo, que podiam ir do passado ao futuro, uma ideia não pertencente aos dias de John Dee, instigando ainda mais a curiosidade e aumentando o mistério acerca destes eventos.
Especula-se que este espelho em posse do Museu Britânico, que fora de John Dee, tenha sido o mesmo que os Astecas utilizaram para se comunicarem com seus deuses. John Dee ainda dominava efetivamente a ótica e possuía um espelho côncavo de dimensões exorbitantes, presente de um embaixador inglês e que provocava ilusões óticas incríveis.
a língua enochiana
Uma mente um pouco mais perspicaz irá se questionar algo de imediato. Se ele realmente conseguia se comunicar com seres de outras dimensões, como os entendia e se fazia entender? Ou seja, em qual língua se comunicavam?
Os mais românticos irão acrescer que bastava a telepatia de seres evoluídos para que pudessem se expressar e ler os pensamentos de Dee. Pode até ter sido assim, mas o que restou das obras publicadas pelo mago Dee nos dá indícios de que utilizavam o que ele denominou de Língua Enochiana.
Esta é a primeira língua sintética de que se tem notícia, ou seja, a primeira forma não humana de comunicação e que possui alfabeto e uma gramática. Dentre os diversos textos em língua enochiana estão assuntos concernentes a matemática muito mais avançada que a contemporânea de John Dee.
Muitas das histórias que envolvem os episódios junto a Kelly na pesquisa sobrenatural se perderam, muito justificado pelo caráter inverossímil de muitas delas. A ideia de uma linguagem completa e não humana não era natural à época de John Dee.
Em verdade, se ele manteve contato com formas de vida extra-terrenas – materiais ou espirituais – nada mais natural que sua inteligência formatada aos dogmas da época acreditasse estar dialogando com anjos.
O fato é que a existência da língua enochiana só vem aumentar os mistérios quanto a veracidade de tais confabulações, pois John Dee aprendera uma língua completamente sintética muito antes da primeira ser inventada por Wilkins. Não podemos deixar de pensar que a invenção desta forma de comunicação por parte do mago é tão surreal quanto a sua assembléia sobrenatural.
A intervenção de Kelly viria a estragar todo um projeto ao ponto de desacreditar toda a reputação de John Dee. Alguns historiadores se perguntam se não seria Kelly o responsável por criar a língua utilizada na comunicação com os supostos anjos, sendo apenas mais um modo de ludibriar seu mestre.
Um contra-exemplo para tal hipótese seria J. R. R. Tolkien, renomado estudioso da filologia, que demorou anos para desenvolver a linguagem dos elfos de seus clássicos literários, enquanto Kelly teria apenas alguns dias para criar a linguagem enochiana.
Alguns ocultistas classificam a linguagem criada por Dee e Kelly apenas como mais uma forma artificial de se comunicar e de limitada amplitude informativa.
O nosso conforto mental nos diz para refutar quaisquer teorias que beiram o sobrenatural. Sendo assim, como explicaríamos a criação desta nova linguagem completamente sintética?
Vamos aos fatos. Em 1530, um trabalho de alquimia denominado Voarchadumia, de autoria de Pantheus, trazia um alfabeto denominado enochiano que não tem nenhuma relação com o criado por Dee e Kelly, mas que pode ter plantado uma ideia nas mentes desta dupla.
O alfabeto de Dee pode ter sido baseado em uma coleção de escritos de literatura antiga. Claro que existem opositores desta ideia. O que os registros nos mostram é que as revelações angélicas fantásticas e de impacto tinha acabado para Dee após seu rompimento com Edward Kelly.
Apesar destas peripécias históricas, a linguagem enochiana sobreviveu ao tempo e fora usada por muitos ocultistas. Aleister Crowley a achava útil em rituais mágicos e lançou mão delas em nas obras The Equinox e The Vision and The Voice. Contamos essa história neste texto inteiramente dedicado a Aleister Crowley.
Na modernidade ficou conhecida como língua angélica e existem dicionários Enchiano-Inglês e Inglês-Enochiano, bem como, trabalhos dedicados a explicar como se deve pronunciar certas palavras nesta linguagem que são utilizadas em magia enoquiana ou chaves enoquianas, que se relacionam à prática de invocar anjos.
A verdade é que a concorrência entre os magos deu origem a diferentes alfabetos codificados e dentre eles existe um conhecido como Alfabeto Angélico. Este fora desenvolvido por Heinrich Cornelius Agrippa, no século XVI.
Também conhecido como alfabeto celestial, era usado para a comunicação com os anjos e derivava dos alfabetos gregos e hebraicos. Agrippa ainda é o responsável pelos alfabetos Malaquim (que é usado ocasionalmente por maçons) e Da Passagem do Rio (utilizado por praticantes de Alta Magia). Além destes ainda podemos citar os alfabetos de Ogham e Tebas como destacáveis nas ciências ocultas.
a bola de cristal e os arcanjos
John Dee, como o bom mago que era, também se valia de uma bola de cristal. Ainda com seu primeiro pupilo Barnabas Saul, Dee conduziu um sessão se valendo de artefato de cristal, onde Saul alegava ter visto o Arcanjo Anael.
Os registros nos diários do mago mostram seu ceticismo inicial, suplantado por uma segunda aparição na bola de cristal, com descrição minuciosa para tal figura que ele agora acreditava ser Anael.
Este ser sobrenatural teria dialogado com o mago. Entretanto, as suspeitas quanto a idoneidade de Barnabas ainda pairavam na mente de seu mestre. Sentindo-se insultado, o pupilo abandona a casa de Dee para nunca mais voltar, dando lugar a Talbot, que mais tarde se tornaria Kelly.
O novo aluno também manuseou a bola de cristal, fazendo contato com Uriel, arcanjo creditado como mestre de Enoque, o tendo ensinado os mistérios da astrologia. O encontro com Uriel possivelmente acontecera em duas ocasiões, através do artefato de cristal de quartzo que pode ser visto no Museu Britânico em Londres.
A história deste instrumento mágico é dúbia e imprecisa. Segundo o próprio Dee, ela lhe fora trazida pelos anjos e se apresentava do tamanho de um ovo, era muito brilhante e gloriosa. Nos seus relatos ela é referenciada como simplesmente “a pedra”, ou shew-stone e ainda como o “o globo diáfano”, “pedra sagrada” ou “primeira pedra santificada”
a groenlândia
Segundo ele, nosso planeta Terra não seria exatamente redondo, além disso, a Terra seria composta de várias esferas superpostas alinhadas ao longo de outras dimensões.
Entre cada um destes corpos esféricos existiria um ponto de tangencia que funcionaria como superfícies de comunicação e no nosso plano dimensional tal superfície seria a Groenlândia. Por este motivo, orientou os governantes do Império Britânico sobre a necessidade de dominar aquele gelado terreno.
a maldita associação com kelly*…
John Dee se descobriu desprovido de artifícios espirituais (como mediunidade) e foi obrigado a empregar médiuns e artefatos como pedras de cristal ou espelhos. Seu mais destacado empregado foi Edward Kelly, homem de educação medíocre, mas que acreditava num método divino que poderia transmutar metais menores em ouro. Ou seja, Kelly acreditava que podiam obter a pedra filosofal.
A verdade é que ao se unir a Kelly, os estudos do mago Dee geravam mais resultados de sucesso do que ele já havia experimentado. Muitos historiadores acreditam no charlatanismo de Kelly, alegando que ele fabricava as visões que iludiam piamente seu mestre. Se este era o caso, Kelly tinha uma habilidade artística e de efeitos especiais que nunca exibira em nenhum outro lugar.
Outros alegam que as cerimônias – que eram repetidas de modo exaustivo, diariamente e por horas a fio – comandadas por John Dee teriam influenciado o subconsciente de Kelly que, impressionado e sugestionado pelo cerimonial, criou certas visões oriundas de alucinações.
Ainda existe a suposição quanto a Kelly ter múltiplas personalidades que se apresentavam como seres sobrenaturais aos olhos de John Dee. Algumas evidências são contrárias a esta norma histórica. Uma delas é o fato de Kelly contestar o caráter angelical dos espíritos com os quais confabulavam.
Os detratores acusam Kelly de truncar algumas das conversas com os supostos anjos, inventando algumas passagens como se fossem dos interlocutores extra-dimensionais. Mas um homem com uma educação tão pífia quanto a dele seria capaz de simular uma conversa em uma língua que não dominava completamente?
A verdade é que a dupla de esotéricos era formada por elementos que se completavam: John Dee era crédulo e dificilmente duvidava das mensagens dadas pelos supostos anjos, enquanto Kelly era mais cético e pouco interessado nas mensagens das quais era veículo, exceto quando via algum potencial no seu intuito de se desenvolver com alquimista.
Aparentemente, todo o interesse de Kelly se baseada no desejo por bens materiais, principalmente na possibilidade de transmutar metais em ouro e roubar a fortuna de Dee, que inclusive registrou um aviso sobre tal intento por um “anjo”, através do próprio Kelly, em palavras gregas, idioma que o pupilo não compreendia, mas Dee era versado e que utilizava quando tinha que registrar alguma informação que não fossem destinadas aos olhos curiosos de Kelly.
Este evento, se verdadeiro, evidencia a realidade dos debates com os “anjos”, pois o pupilo não dominava o grego e, assim, não poderia passar nenhuma mensagem falsa por esta língua.
Em mais de uma ocasião Kelly teria falsificado certas informações dos espíritos em benefício próprio. Segundo consta algumas transcrições, um dos “anjos” teria orientado a dupla que dividissem suas respectivas esposas, a jovem e atrativa Jane Dee e Joanna Kelly.
O mais interessante é que a associação à Kelly e aos “anjos” se desfaz após a suposta – pois algumas biografia de Dee negam o evento – troca de casais. Kelly veio a falecer em 1595, sob circunstâncias obscuras. John Dee ainda veria o advento do novo século e morreria aos 81 anos, em 1608.
(*)Existem livros que trazem a grafia do nome do pupilo inescrupuloso de John Dee como Edward Kelley. Outros o grafavam como Kelly. No meu texto, escolhi Kelly por simplesmente ter iniciado a pesquisa por fontes que assim o escreviam.
a perseguição…
1597. Alguns desconhecidos induzem uma multidão a atacar a morada de um adorador do diabo e destruí-la. A residência é invadida e quatro mil obras raras, além de cinco mil manuscritos, desaparecem com os invasores que ainda queimam um sem número de notas de estudos do mago negro.
A cena que já fora roteirizada inúmeras vezes no cinema aconteceu e o adorador satânico era Jonh Dee, que por sorte, ou deliberação dos desconhecido agitadores, não se encontrava em casa.
A verdade é que Dee amargou uma perseguição enorme após querer divulgar seus estudos ocultos, que se perderam em grande parte na invasão de sua casa.
A perseguição começou efetivamente em 1587, se estendendo até sua morte e extrapolou as fronteiras de sua nação. Apesar da acusação de necromante, Dee fora convidado pelo czar russo a se instalar em Moscou como conselheiro acadêmico, com vultuoso salário e acomodações palacianas.
Não se sabe ao certo o motivo da recusa de John Dee, mas especula-se que tenha sido em obediência às ordens da Rainha Elizabeth I. O fato é que esta recusa se contrapõe às acusações de que teria vagado pelo continente espoliando nobres com falsas exibições mágicas e sobrenaturais.
Uma das mais fortes certezas que John Dee carregava era que somente a prática da magia poderia ajudá-lo a compreender verdades brutais do universo.
Ele rejeitava a necessidade da igreja como uma intermediária à presença de Deus e que as revelações sagradas podiam ser obtidas através das práticas mágicas dos antigos hebreus.
Num mundo de pensamento religioso quase medieval, tais pensamentos eram heresia grave, oque o destinava a perseguição implacável.
por fim…
John Dee se mostra como uma homem de inteligência elevada, que palestrou com seres sobrenaturais, deixou poucos registros de suas imprescindíveis pesquisas metafísicas e que, se fosse um charlatão, era capaz de inventar elementos inexistente em suas dias sobre a Terra.
Sempre se descreveu como filósofo e matemático e suas viagens sobrenaturais rendiam frutos de natureza científica, não se interessando por nada fora das leis naturais.
Dee afirmava que a matemática ia além de Euclides, muito antes das geometrias não-euclidianas ganharem os meios acadêmicos e tal feito só pode mostrar a genialidade que esta figura notável da humanidade estampava e que poucas vezes fora louvada.
Sua figura teria servido de arquétipo para os magos presentes na cultura pop de séculos posteriores.
Teria sido o inspirador do personagem Próspero de Willian Shakespeare e, ao contrário do que muitos pensam, John Dee nunca tomou conhecimento do livro Necronomicon que fora uma inventividade genial de H. P. Lovecraft.
https://gavetadebaguncas.com.br/john-dee/
Referências…
1. Jonathan Black: A História Secreta do Mundo.
2. David A. Shugarts: Os Segredos do Filho da Viúva
3. Jacques Bergier: Os Livros Malditos.
4. Geoffrey James: The Enochian Evocation od Dr. John Dee>
5. Donald C. Laycock: The Complete Enochian Dictionary: A Dictionary of the Angelic Language as Revealed for Edward Kelly and John Dee.
6. Brenda Mallon. Símbolos Místicos.
7. Gyorgy E. Szonyi: John Dee’s Occultism: Magical Exaltation through Powerful Signs.
8. William Howard Sherman. John Dee: The Politics of Reading and Writing in the English Renaissance
Os Livros Malditos: Jacques Bergier e o que John Dee viu no espelho negro
« Como o abade Trithème, John Dee realmente existiu. Nasceu em 1527 e morreu em 1608. Sua vida foi tão extraordinária que, melhor do que a maior parte de seus biógrafos, foram os romancistas que melhor o descreveram em obras de imaginação. Estes romancistas são Jean Ray e Gustav Meyrink. Matemático distinto, especialista nos clássicos, John Dee inventou a idéia de um meridiano de base: o meridiano de Greenwich. Levou à Inglaterra, tendo-os encontrado em Louvain, dois globos terrestres de Mercator, assim como instrumentos de navegação. E foi assim o início da expansão marítima da Inglaterra.
« Pode-se dizer, dessa forma – não participo dessa opinião – que John Dee foi o primeiro a fazer espionagem industrial, pois levou à Inglaterra, por conta da Rainha Elizabeth, quantidade enorme de segredos de navegação e fabricação. Foi certamente um cientista de primeira ordem, ao mesmo tempo que um especialista dos clássicos, e manifesta a transição entre duas culturas que, no século XVI, não eram, talvez, tão separadas como o são agora.
« Foi também muitas outras coisas, como veremos. No curso de seus brilhantes estudos em Cambridge, pôs-se, infelizmente para ele, a construir robôs entre os quais um escaravelho mecânico que soltou durante uma representação teatral e que causou pânico. Expulso de Cambridge por feitiçaria, em 1547, foi para Louvain. Lá, ligou-se a Mercator. Tornou-se astrólogo e ganhou a vida fazendo horóscopos, depois foi preso por conspiração mágica contra a vida da Rainha Mary Tudor. Mais tarde, Elizabeth libertou-o da prisão e o encarregou de missões misteriosas no continente.
« Escreveu-se com freqüência que sua paixão aparente pela magia e feitiçaria seriam uma “cobertura” à sua verdadeira profissão: espião. Não estou totalmente convencido disto.
« Em 1563, numa livraria de Anvers, encontrou um manuscrito, provavelmente incompleto, da Steganographie de Trithème. Ele a completou e pareceu ter chegado a um método quase tão eficaz quanto o de Trithème.
« Publicando a primeira tradução inglesa de Euclides, e estudando para o exército inglês a utilização de telescópios e lunetas, continuou suas pesquisas sobre a Steganographie. E em 25 de maio de 1581, elas superaram todas as suas esperanças.
« Um ser sobre-humano, ou ao menos não-humano, envolto em luz, apareceu-lhe. John Dee chamou-o anjo, para simplificar. Esse anjo deixou-lhe um espelho negro que existe ainda no Museu Britânico. É um pedaço de antracite extremamente bem polido. O anjo lhe disse que olhando naquele cristal veria outros mundos e poderia ter contato com outras inteligências não-humanas, idéia singularmente moderna. Anotou as conversações que teve com seres não-humanos e um certo número foi publicado em 1659 por Méric Casaubon, sob o título “A true and faithfull relation of what passed between Dr. John Dee and some spirits”.
« Um certo número de outras conversações é inédito e os manuscritos se encontram no Museu Britânico.
« A maior parte das notas tomadas por John Dee e dos livros que preparava, foram, como veremos, destruídos. Entretanto, restam-nos suficientes elementos para que possamos reconstituir a língua que esses seres falavam, e que Dee chamou a Língua Enochiana.
« É a primeira linguagem sintética, a primeira língua não-humana de que se tem conhecimento. É, em todo caso, uma língua completa que possui um alfabeto e uma gramática. Entre todos os textos em língua enochiana que nos restam, alguns concernem à ciência matemática mais avançada do que ela estava no tempo de John Dee.
« A língua enochiana foi a base da doutrina secreta da famosa sociedade Golden Dawn, no fim do século XIX.
« Dee percebeu logo que não poderia lembrar-se das conversações que tinha com os visitantes estrangeiros. Nenhum mecanismo para registrar a palavra existia. Se dispusesse de um fonógrafo ou de um magnetóide, o seu destino, e talvez o do mundo, estariam mudados.
« Infelizmente, Dee teve uma idéia que o levou a perder-se. Entretanto, tal idéia era perfeitamente racional: encontrar alguém que olhasse o espelho mágico e mantivesse conversações com os extraterrestres, enquanto ele tomaria nota das conversas. Em princípio, tal idéia era muito simples. Infelizmente, os dois visionários que Dee recrutou, Barnabas Saul e Edward Talbot, revelaram-se como grandes canalhas. Desvencilhou-se rapidamente de Saul, que parecia ser espião a soldo de seus inimigos. Talbot, ao contrário, que trocou seu nome pelo de Kelly, agarrou-se. E agarrou-se tanto que arruinou Dee, seduziu sua mulher, levou-o a percorrer a Europa, sob o pretexto de fazer dele um alquimista, e acabou por estragar sua vida. Dee morreu, finalmente, em 1608, arruinado e completamente desacreditado. O Rei James I, que sucedera a Elizabeth, recusou-lhe uma pensão e ele morreu na miséria. A única consolação que se pode ter é de pensar que Talbott, aliás, Kelly, morreu em fevereiro de 1595, tentando escapar da prisão de Praga. Como era muito grande e gordo, a corda que confeccionara rompeu-se e ele quebrou os braços e as pernas. Um justo fim a um dos mais sinistros crápulas que a história conheceu.
« Apesar da proteção de Elizabeth, Dee continuou a ser perseguido, seus manuscritos foram roubados assim como uma grande parte de suas anotações.
« Se estava na miséria, temos que reconhecer que parcialmente a merecera. Com efeito, após ter explicado à Rainha Elizabeth da Inglaterra que era alquimista, solicitara um amparo financeiro. Elizabeth da Inglaterra disse-lhe, muito judiciosamente, que se ele sabia fazer o ouro, não precisava de subvenções, pois teria suas próprias. Finalmente, John Dee foi obrigado a vender sua imensa biblioteca para viver e, de certo modo, morreu de fome.
« A história reteve sobretudo os inverossímeis episódios de suas aventuras com Kelly, que são evidentemente pitorescos. Vimos aparecer aí, pela primeira vez, a troca de mulheres que, atualmente, é tão popular nos Estados Unidos.
« Mas essa estatuária de Epinal obscureceu o verdadeiro problema, que é o da língua enoquiana, a dos livros de John Dee que nunca chegaram a ser publicados.
« Jacques Sadoul, em sua obra “O Tesouro dos Alquimistas”, conta muito bem a parte propriamente alquimista das aventuras do Dr. Dee e de Kelly. Recomendo-a ao leitor.
« Voltemos à linguagem enoquiana e ao que se seguiu. E falemos primeiro da perseguição que se abateu sobre John Dee, desde que começou a dar a entender que publicaria suas entrevistas com “anos” não-humanos. Em 1597, em sua ausência, desconhecidos excitaram a multidão a atacar sua casa. Quatro mil obras raras e cinco manuscritos desapareceram definitivamente, e numerosas notas foram queimadas. Depois a perseguição continuou, apesar da proteção da Rainha da Inglaterra. Foi, finalmente, um homem alquebrado, desacreditado, como o seria mais tarde Madame Blavatsky, que morreu aos 81 anos de idade. Em 1608, em Mortlake. Uma vez mais a conspiração dos Homens de Preto parece ter vencido.
« A excelente enciclopédia inglesa “Man, Mith and Magic” observou muito oportunamente em seu artigo sobre John Dee: “Apesar de os documentos sobre a vida de John Dee serem abundantes, fez-se pouca coisa para explicá-lo e interpretá-lo”. Isto é verdadeiro.
« Ao contrário, as calúnias contra Dee não faltam. Nas épocas de superstição afirmava-se que ele faria magia negra. Em nossa época racionalista pretendeu-se que seria um espião, que fazia alquimia e magia negra para camuflar suas verdadeiras atividades. Tal tese é notadamente a da enciclopédia inglesa que citamos acima.
« Entretanto, quando examinamos os fatos, vemos primeiro um homem bem dotado, capaz de trabalhar 22 horas ao dia, leitor rápido, matemático de primeira ordem. Ademais, ele construiu autômatos, foi um especialista de óptica e de suas aplicações militares, da química.
« Que foi ingênuo e crédulo, é possível. A história de Kelly o mostra. Mas que fez uma importante descoberta, a mais importante, talvez, da história da humanidade, não está totalmente excluso. Parece-me possível contudo, que Dee tenha tomado contato, por telepatia ou clarividência, ou outro meio parapsicológico, com seres não-humanos. Era natural, dada a mentalidade da época, que ele atribuísse a esses seres uma origem Angélica, em vez de fazê-los vir de outro planeta ou de outra dimensão. Mas comunicou-se bastante com eles para aprender uma língua não-humana.
« A idéia de inventar uma língua inteiramente nova não pertencia à época de John Dee e nem de sua mentalidade. Foi muito depois que Wilkins inventou a primeira linguagem sintética. A linguagem enoquiana é completa e não se parece com nenhuma língua humana.
« É possível, evidentemente, que Dee a tenha tirado integralmente de seu subconsciente ou inconsciente coletivo, mas tal hipótese é tão fantástica quanto a da comunicação com seres extraterrestres. Infelizmente, a partir da intervenção de Kelly, as conversações estão visivelmente truncadas. Kelly inventa-as e faz dizer aos anjos ou espíritos o que lhe convinha. E do ponto de vista de inteligência e imaginação, Kelly era pouco dotado. Possui-se notas sobre uma conversação onde pede a um dos “espíritos” cem libras esterlinas durante quinze dias.
« Antes de conhecer Kelly, entretanto, Dee publicara um livro estranho: “A Mônada Hieroglífica”. Trabalhou nesse livro sete anos, mas após ter lido a Steganographie, terminou-o em doze dias. Um homem de Estado contemporâneo, Sir William Cecil, declarou que: “os segredos que se encontram na Mônada Hieroglífica são da maior importância para a segurança do reino.”
« Certamente, quer-se ligar tais segredos à criptografia, o que é bastante provável. Mas quando se quer relacionar tudo em John Dee com a hipótese de espionagem, isto me parece excessivo, pois os alquimistas e os magos utilizavam muito a criptografia, sob as formas mais complexas que não eram usadas pelos espiões. Tenho tendência a tomar Dee ao pé da letra e pensar que, por auto-hipnose produzida pelo seu espelho, ou por outras formas, ele ultrapassou uma barreira entre os planetas ou entre outras dimensões.
« Por desgraça, ele era, por própria confissão, desprovido de todos os dons paranormais. Foi mal aceito pelos “médiuns” e isto terminou em desastre.
« Desastre aliás provocado, explorado, multiplicado pelos “Superiores” que não queriam que ele publicasse às claras o que disse em código na Mônada Hieroglífica. A perseguição de Dee começou em 1587 e só parou com sua morte. Exerceu-se aliás também no continente, onde o rei da Polônia e o Imperador Rodolfo II foram advertidos contra Dee por mensagens “vindas dos espíritos”, e onde, a 6 de maio de 1586, o número apostólico entregou ao imperador um documento acusando John Dee de necromancia.
« Foi um homem acovardado que chegou à Inglaterra, renunciando a publicar, e que morreu como reitor do Colégio de Cristo, em Manchester, posto que teve de 1595 à 1605, e que, ao que parece, não lhe deu satisfação.
« Resta ainda, a respeito desse posto, uma problema não resolvido. Na mesma época o czar da Rússia convidou John Dee para ir até Moscou, a título de conselheiro científico. Ele deveria receber um salário de duas mil libras esterlinas ao ano, quantia alta correspondente a um pouco mais de duzentas mil libras hoje, com moradia principesca e uma situação, que, de acordo com a carta do czar, “faria dele um dos homens mais importantes da Rússia”. Entretanto, John Dee recusou. Elizabeth da Inglaterra teria se oposto? Teria ele recebido ameaças?
« Não se sabe, os documentos são vagos. Em todo caso, as diversas calúnias segundo as quais Dee, completamente dominado por Kelly, percorrera o continente espoliando príncipes e ricos, uns após outros, perdem sua razão de ser quando se considera essa recusa. Talvez temesse que o czar o obrigasse a empregar segredos que havia descoberto e tornasse, assim, a Rússia dominadora do mundo.
« O que quer que seja, Dee se apresenta a nós como um homem que recebeu visitas de seres não-humanos, que aprendeu sua linguagem e procurou estabelecer com eles uma comunicação regular. O caso é único, sobretudo quando se trata de um homem do valor intelectual de John Dee.
« Infelizmente, não se pode deduzir nada, a partir do que Dee nos deixou, do lugar onde habitariam tais seres, ou a natureza psíquica deles. Disse, simplesmente, que são telepatas e que podem viajar no passado e no futuro. É a primeira vez, que eu saiba, que aparece a idéia de viajar no tempo.
« Dee esperava aprender desses seres tudo sobre as leis naturais, tudo sobre o desenvolvimento futuro da matemática. Não se tratava nem de necromancia nem de espiritualidade. Dee tinha a posição de um sábio que queria aprender segredos de natureza essencialmente científica. Ele mesmo descreve-se, a todo instante, como filósofo matemático.
« A maior parte das notas desapareceu no incêndio de sua casa, outras foram destruídas em outras oportunidades e por pessoas diferentes. Restam-nos algumas alusões contidas em “A verdadeira relação de Casaubon”, e em certas notas que ainda existem. Tais indicações são extremamente curiosas. Dee afirma que a projeção de Mercator não é senão uma primeira aproximação. Segundo ele, a Terra não é exatamente redonda, e seria composta de várias esferas superpostas alinhadas ao longo de uma outra dimensão.
« Entre essas esferas haveria pontos, ou antes, superfícies de comunicação, e assim é que a Groenlândia se estende ao infinito sobre outras terras além da nossa. Por isso, insiste Dee nas várias súplicas à Rainha Elizabeth, seria bom que a Inglaterra se apoderasse da Groenlândia de maneira a ter em suas mãos a porta para outros mundos.
« Outra indicação: as matemáticas não estão senão no começo e pode-se ir além de Euclides, que Dee, lembramos, foi o primeiro a traduzir para o inglês. Dee teve razão ao afirmar isso, e as geometrias não-euclidianas que apareceriam mais tarde, confirmam seu ponto de vista.
« É possível, diz igualmente Dee, construir máquinas totalmente automáticas que fariam todo o trabalho do homem. Isto, acrescenta, já foi realizado por volta de 1585 – gostaríamos muito de saber onde.
« Insiste, igualmente, na importância dos números e na considerável dificuldade da aritmética superior. Uma vez mais, teve razão. A teoria dos números revelou-se como sendo o ramo mais difícil das matemáticas, bem mais que a álgebra ou a geometria.
« É muito importante, notou John Dee, estudar os sonhos que revelam, ao mesmo tempo, nosso mundo interior e mundos exteriores. Esta visão, à moda de Jung, é muito avançada para a sua época. É essencial, notava ainda, esconder da massa segredos que possam ser extremamente perigosos. Encontra-se, ainda aí, uma idéia moderna. Como se encontra outra com relação a esse tema no jornal particular de Dee: saber que se pode tirar do conhecimento da natureza poderes perfeitamente naturais e ilimitados, mas que é necessário empregar muito dinheiro nessa pesquisa.
« Foi para ter esse dinheiro que procurou a proteção dos grandes, e a fabricação do ouro. Nenhuma nem outra foram conseguidas. Se pudesse encontrar um mecenas, o mundo estaria bem mudado.
« Entre todos os que encontrou, conheceu William Shakespeare (1564-1616)? Creio que sim. Um certo número de críticos shakespereanos estão acordes ao admitir que John Dee é o modelo do personagem Próspero, em “Tempestade”. Ao contrário, não se encontrou, ainda, que eu saiba, anti-shakespereanos bastante loucos para imaginar ser John Dee o autor das obras de Shakespeare. Entretanto, Dee me parece ser melhor candidato a esse título que Francis Bacon.
« Não posso resistir ao prazer de citar esta teoria do humorista inglês A. A. Milne. Segundo ele, Shakespeare escreveu não só suas próprias obras como também o Novum Organum para o Conde de Francis Bacon, que era completamente iletrado! Tal teoria levantou em ira os baconianos, isto é, aqueles que pretendem ter sido Francis Bacon o autor das obras de Shakespeare.
« Passando para outra lenda, John Dee jamais traduziu o livro maldito Necronomicon, de Abdul Al-Azred, pela simples razão que tal obra jamais existiu. Mas, como bem disse Lin Carter, se o Necronomicon tivesse existido, Dee seria, evidentemente, o único homem a poder encontrá-lo e traduzi-lo!
« Infelizmente, esse Necronomicon foi inventado inteiramente por Lovecraft, que me confirmou esse fato por carta. Que lástima!
« A pedra negra, vinda de outro universo, após ter sido recolhida pelo Conde de Peterborough, depois por Horace Walpole, encontra-se, agora, no Museu Britânico. Este não autoriza, nem que se possa usá-la, nem que se faça nela qualquer tipo de análise. Isto é lamentável. Mas se as análises do carvão de que é feita essa pedra dessem um composto isótopo que não o do carvão da Terra, provando que essa pedra teria origem fora dela, todo mundo ficaria fortemente embaraçado.
« A Mônada Hieroglífica de Dee pode ser encontrada ou obtida por fotocópia. Mas sem as chaves que correspondem aos diversos códigos da obra, e sem os outros manuscritos de John Dee queimados em Mortlake ou destruídos sob as ordens de James I, ela não pode servir para grande coisa. Entretanto, a história do Dr. John Dee não acabou e dois capítulos ser-me-ão necessários para continuá-la.»
Excerto de Os Livros Malditos, de Jacques Bergier.
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